Você acha a elaboração do planejamento um ato burocrático? Quando precisa fazê-lo, entra em angústia e sofrimento? Vamos refletir sobre isso.
O planejamento na Educação Infantil e séries iniciais do Fundamental envolve antever situações de aprendizagens que privilegiem explorações e vivências em contextos ricos de possibilidades. Bom, só isso já nos mostra a sua importância, não é mesmo?
O planejamento é, para o professor, como o projeto de uma casa é para arquitetos e engenheiros. Planejar os cômodos, o fluxo de movimento, a interação entre ambientes, a iluminação, o conforto térmico e o acústico permite identificar as potencialidades naturais do terreno, evitar desperdícios e superar as expectativas de quem ocupará a casa.
Quanto mais inovadora a abordagem adotada pela escola, maior será a centralidade do planejar, pois isso significa criar e identificar contextos lúdicos, interativos e intencionais conforme as necessidades das crianças, pensar nos materiais e na montagem dos ambientes.
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Veja bem, o planejamento é um ato de criação do professor! Para criar algo, precisamos também de experiências que nos movimentem, que nos sensibilizem, que criem repertório de situações. Precisamos de leituras, pesquisas e vivências. Se o ato de planejar lhe dói, algo está faltando.
O planejamento é uma rota para sair de uma situação e chegar a outra. Como em um espiral, espera-se que proporcione a melhora gradativa das experiências de aprendizagem. Para isso, o planejamento considerará os elementos a serem observados antes, durante e depois dos processos de aprendizagens. Como processo criativo e projeto de algo que irá acontecer pela interação de vários elementos, o planejamento não dará conta de tudo. Ele não é algo estático, engessado, mas ativo e dinâmico. Como dito, é um caminho, mas com várias bifurcações. Sendo assim, o replanejar também será constante, porque as crianças e as situações assim o pedem.
E o que é um bom planejamento? Bem, aqui entram as características de cada escola, de cada proposta pedagógica, as condições e as estruturas para tal. Mas, gosto de pensar em escolas que não impõem materiais prontos de forma rígida e descontextualizada, nem as inúmeras folhinhas de atividades que parecem apenas desperdiçar o tempo valioso da infância de nossas crianças. Nesse sentido, considero importante os estudos de Gabriel Junqueira Filho. Em seu livro Linguagens Geradoras ele reflete sobre a parte cheia e a parte vazia de um planejamento, pois, obviamente, há objetos de conhecimento a serem oferecidos às crianças e que lhes ajudarão a elaborar estruturas cognitivas importantes para o desenvolvimento do pensar. Isso faz parte da função social da escola e do professor.
O primeiro momento, portanto, é o momento de realizar as primeiras escolhas de conteúdos (...) à qual daremos o nome de parte cheia do planejamento. Cheia de quê? Ora, cheia de criança e de professora. Cheia de professora pelas primeiras escolhas feitas por ela para receber as crianças e essas continuarem a dialogar e a produzir a história daquele grupo, sob sua coordenação e responsabilidade. (...) Cheia de professora e de criança pelo olhar dessa professora sobre si, sobre o seu trabalho, sobre criança, sobre infância, sobre o mundo.
Mas, há também outros tantos objetos de conhecimento que surgirão das conexões que as próprias crianças estabelecerão e pelos quais demonstrarão interesse e curiosidade. É para contemplar essas situações que o planejamento pode prever espaços vazios, espaços para o brincar livre e para projetos.
O segundo momento do planejamento, que contempla a segunda parte do planejamento – à qual daremos o nome de parte vazia -, ficará em aberto, em branco; constará como uma lacuna a ser preenchida a partir da chegada das crianças para as aulas (...), a partir das pistas que vai identificando e significando sobre os funcionamentos, realizações e produções das crianças, no dia a dia do trabalho junto com o grupo. (...) Vazia porque a professora também precisa dos olhos e ouvidos livres, atentos, sensíveis para conhecer aquelas crianças para além do que ela já conhece sobre crianças daquela faixa etária, porque estudou nos livros ou aprendeu na prática como professora, ao longo da sua formação. 2
Dos objetos de conhecimento, da parte cheia ou vazia do planejamento, surgem objetivos que nortearão a observação do desenvolvimento cognitivo, motor e socioemocional da criança. Aqui entram critérios que auxiliarão no replanejar, na observação atenta das crianças, na documentação do processo e no seu relato às famílias. Um bom planejamento direcionará o olhar do professor para a intencionalidade das aprendizagens, mas também para as surpresas que delas
decorrem.
Por tudo isso, é bom que o professor possa compartilhar a responsabilidade pelo planejamento com outros profissionais, como o coordenador. Aberto a comentários, ao diálogo, o trabalho será enriquecido pelo olhar do outro. Conceber essa relação como parceria desconstrói uma das maiores angústias dos professores: a avaliação do material por parte da coordenação. Os processos dentro da escola se interdependem, se relacionam, e cabe à equipe formar e apoiar constantemente os professores, conhecendo as limitações de cada um, ajudando-os e oferecendo
condições para a superação das dificuldades que, eventualmente, apresentem. Por vezes, criar um modelo ou prever, nos momentos formativos, a elaboração coletiva de um ou outro planejamento também pode ajudar o grupo de professores, facilitando os questionamentos e as retiradas de dúvidas.
Bora planejar?
Danielle Mari Stapassoli
Pedagoga e assessora pedagógica,
especialista em “Currículo e Prática Educativa” e
“Organização do Trabalho Pedagógico”.
Tive a sorte de trabalhar com orientadores que me ensinaram a importância de um projeto meio cheio/ meio vazio, além de me ensinar o valor da responsabilidade compartilhada. Nunca mais poderei fazer diferente. Obrigada, Dani!